sábado, 22 de agosto de 2009

Concessão de serviço de loteria sem licitação não pode ser prorrogado indefinidamente

Contratos para exploração de serviços públicos, como os de loteria, não podem ser prorrogados indefinidamente. Esse foi o entendimento do ministro Mauro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de recurso da Gerplan Gerenciamento e Planejamento Ltda. contra o estado de Goiás. A empresa queria a manutenção do contrato para exploração de loteria no estado, mas a Turma, por unanimidade, negou o pedido.

A Gerplan interpôs recurso contra o julgado do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) que cancelou aditivo firmado em julho de 1995 para prorrogar a concessão. Alegou que teria sido violado o artigo 332 do Código de Processo Civil (CPC), segundo o qual qualquer meio legal pode produzir prova em processo. Para os advogados da empresa, houve cerceamento de defesa, já que não foram admitidos diversos testemunhos em juízo que esclareceriam a situação do contrato.

Também teriam sido violados os artigos 1º, 9º, e 10 da Lei de Concessões (Lei n. 8.987, de 1995), que regula a concessão de serviços públicos. Os artigos tratam da concessão de serviços públicos, de suas tarifas e do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. A defesa alegou que romper o contrato agora seria extremamente prejudicial para a empresa, que fez grandes investimentos para gerenciar e operacionalizar a área de loterias. Acrescentou que a concessão de serviços públicos não se sujeitaria à aplicação da Lei de Licitações Públicas (Lei n. 8.666, de 1993), portanto não teria o prazo máximo previsto de 60 meses e que a Lei de Concessões não limita prazo para a prorrogação de contratos.

Ao decidir, o ministro Mauro Campbell Marques concluiu que as supostas provas produzidas pelas testemunhas foram consideradas irrelevantes pelos tribunais das instâncias inferiores, que têm a competência para decidir sobre a sua relevância para o processo. Para o ministro, a nova análise dessas provas é vetada pela Súmula 7 do STJ.

O ministro considerou que o entendimento do TJGO foi correto ao afirmar que a Lei de Concessões determina que seja seguido o artigo 175 da Constituição Federal. O artigo diz que deve haver licitação na modalidade "concorrência" e ter prazo determinado para a concessão. Também afirmou que seria incorreta a alegação de que, como as concessões de serviços estariam regidas pela Lei n. 8.987, não se aplicaria a Lei de Licitações. O ministro destacou que a aplicação da lei específica prevalece sobre a da lei geral. Afirmou ainda que o Decreto-Lei 6259 de 1944, que regula os serviços de loteria, determina que deve haver concorrência pública antes da concessão.

Segundo destacou o magistrado, a jurisprudência do STJ considera que as concessões de serviços públicos anteriores à Lei n. 8.978 não deveriam ser prorrogadas sem os devidos procedimentos. "A prorrogação indefinida do contrato é forma de subversão às determinações legais e constitucionais para a concessão e permissão para exploração de serviços públicos, o que não pode ser ratificado por esta casa", completou.

Autor: Superior Tribunal de Justiça - Resp 912402

http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=93164

STJ Súmula nº 7 - 28/06/1990 - DJ 03.07.1990

Reexame de Prova - Recurso Especial

A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.

sábado, 15 de agosto de 2009

A Lei nº 12.016/2009 – o novo perfil do Mandado de Segurança

Para a surpresa de muita gente foi promulgada a Lei nº 12.016/2009, que dispõe sobre o mandado de segurança individual e coletivo. A nova lei consolida vasta legislação esparsa e positiva entendimentos dos Tribunais Superiores sobre essa garantia fundamental processual, também chamada de “remédio heróico” ou “writ”.

A proposta que deu origem à lei surgiu no âmbito da AGU, na época em que a instituição era comandada pelo hoje Ministro do STF Gilmar Mendes. Participaram da elaboração do projeto outros vultos do mundo jurídico, tais como o Ministro Menezes Direito, Arnoldo Wald, Caio Tácito, Luís Roberto Barroso e a professora Ada Pelegrini.

A grande novidade da Lei nº 12.016/2009 foi o disciplinamento do mandado de segurança coletivo. Inovação da Constituição Federal de 1988, o MS carecia de regulamentação. Na prática, eram aplicadas as normas do mandado de segurança individual e os entendimentos do STF sobre a matéria, o que criava uma atmosfera de insegurança jurídica no âmbito procedimental.

O art. 21 da Lei nº 12.016/2009 nitidamente consolidou a jurisprudência do STF a respeito da mandado de segurança coletivo, ao afirmar que: a) o partido político com representação no Congresso Nacional pode impetrá-lo apenas na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária; b) os legitimados ativos (partidos políticos, organizações sindicais, entidades de classe e associações) são substitutos processuais (e não meros representantes), razão pela qual não necessitam de autorização especial, podendo, inclisive, defender os interesses de parte dos membros ou associados (Súmulas 629 e 630 do STF).

Há alguns pontos inovadores que merecem destaque, os quais romperam com velhos paradigmas da jurisprudência. Primeiramente, foi estendida às autoridades coatoras o direito de recorrer (art. 13, § 2º). Em segundo lugar, conceituou-se “autoridade coatora federal”: trata-se daquela cujos atos terão conseqüências patrimoniais suportardas pela União ou entidade por ela controlada (art. 2º). Assim, salvo melhor juízo, não mais serão consideradas autoridades federais, por exemplo, as Juntas Comerciais no exercício de suas atividades fim (registro empresarial) ou as universidades privadas nos atos referentes ao ensino, o que influirá na competência da Justiça Federal.

Evidentemente, a lei acabou de sair do forno, o que impede um exame mais profundo de seus vícios e de suas virtudes. Mas as impressões iniciais deixadas pela Lei nº 12.016/2009 são positivas.

Fonte:http://franciscofalconi.wordpress.com/2009/08/11/a-lei-nº-12-0162009-o-novo-perfil-do-mandado-de-seguranca/

Súmula 629

A IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO POR ENTIDADE DE CLASSE EM FAVOR DOS ASSOCIADOS INDEPENDE DA AUTORIZAÇÃO DESTES.

Súmula 630

A ENTIDADE DE CLASSE TEM LEGITIMAÇÃO PARA O MANDADO DE SEGURANÇA AINDA QUANDO A PRETENSÃO VEICULADA INTERESSE APENAS A UMA PARTE DA RESPECTIVA CATEGORIA.

Cônjuge pode solicitar informações funcionais sobre esposo falecido

Uma questão bastante interessante sobre a aplicação dos Remédios (garantias) Constitucionais é sobre a possibilidade de sucesores poderem impetrar Habeas Data para obter informações a respeito do de cujus.

Como o Habeas Data surgiu a partir da redemocratização do Estado brasileiro, procurou-se assegurar àquela pessoa que se sentisse lesada ou ameaçada de lesão por informações que poderiam comprometer sua imagem a garantia de acesso a informações a seu respeito.

Como forma de exercício desta garantia, o constituinte assegura à pessoa do impetrante (aquele que tem o desejo) o acesso e correção de informações relativas a ela. Inicialmente, este remédio tinha o caráter pessoal, mas têm surgido entendimentos de que os sucessores podem se utilizar dele.

Vejam o texto abaixo:

O cônjuge sobrevivente é parte legítima para propor habeas data (tipo de processo) com o objetivo de obter informações documentais a respeito do falecido, em caso de recusa ou demora do órgão detentor dos registros em conceder os documentos solicitados. A conclusão é da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O relator do caso foi o ministro Arnaldo Esteves Lima, presidente da Turma.

O ministro concedeu o pedido a Olga Serra, viúva de um militar, para que o Ministério da Defesa encaminhe informações funcionais do falecido no prazo de 30 dias. Olga Serra fez o pedido administrativamente, há mais de um ano, mas não recebeu a documentação solicitada.

O habeas data é um tipo de ação prevista na Constituição Federal de 1988, para que seja reconhecido o direito da pessoa interessada de acessar registros sobre ela existentes, retificar informações incorretas e complementar dados.

Documentos funcionais

Em setembro de 2005, a viúva solicitou ao Ministério de Estado da Defesa cópia de todos os registros e documentos sobre a vida funcional do marido, em especial os relacionados ao curso realizado na Escola de Sargentos Aviadores da Aeronáutica.

À espera da documentação há mais de um ano, a viúva decidiu entrar com um habeas data contra o ministro de Estado da Defesa para que a autoridade concedesse as informações. O ministro da Defesa contestou a ação.

Em princípio, a defesa oficial alegou não ser parte legítima para responder ao processo. Além disso, segundo o ministro, Olga Serra também não seria parte legítima para propor a ação, pois o direito protegido pelo habeas data é personalíssimo, ou seja, só pode ser solicitado pelo titular das informações.

Em sua defesa, o ministro argumentou, ainda, que a demora no fornecimento dos dados ocorreu em virtude da antiguidade dos registros, de difícil transcrição, “cujas cópias reprográficas são praticamente ilegíveis”. Segundo o dirigente, assim que disponibilizados os documentos pela Subdivisão de Pessoal daquele órgão, eles serão encaminhados à Consultoria Jurídica Adjunta do Comando da Aeronáutica.

Direito às informações

O ministro Arnaldo Esteves Lima acolheu o pedido de Olga Serra e determinou ao ministro da Defesa que forneça os dados solicitados no prazo de 30 dias. Para o relator, a viúva é parte legítima para propor a ação. Segundo o ministro, apesar de o pedido não se referir a informações sobre a própria autora do processo, mas de seu falecido marido, “deve a ordem ser concedida, uma vez que lhe negar tal direito importaria ofender o próprio escopo da norma constitucional, cujo conhecimento poderá refletir no patrimônio moral e financeiro da família do falecido”.

Além disso – salientou o ministro –, “verifica-se que a demora da autoridade impetrada em atender o pedido formulado administrativamente pela impetrante – mais de um ano – não pode ser considerado razoável, ainda mais considerando-se a idade avançada da impetrante – 82 anos”.

O relator destacou trecho do parecer do Ministério Público Federal no mesmo sentido de seu entendimento. “Embora inexista recusa no fornecimento dos documentos e a demora seja, inicialmente escusável, o longo tempo já decorrido justifica o deferimento do habeas data para, nos termos do artigo 13 da Lei 9.507/97, ser determinado prazo para que a autoridade [ministro da Defesa] forneça as cópias solicitadas”.

Art. 13. Na decisão, se julgar procedente o pedido, o juiz marcará data e horário para que o coator:

I - apresente ao impetrante as informações a seu respeito, constantes de registros ou bancos de dadas; ou

II - apresente em juízo a prova da retificação ou da anotação feita nos assentamentos do impetrante.

Arnaldo Esteves Lima enfatizou, ainda, a legitimidade do ministro da Defesa para responder ao processo em questão. “O impetrado ao receber o pedido da impetrante e encaminhá-lo ao Comando da Aeronáutica, por meio do ofício nº 10.020, assumiu a obrigação de responder ao pleito, razão pela qual se tornou parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda, em face da teoria da encampação” (aplica-se ao habeas data, quando o impetrado é autoridade hierarquicamente superior aos responsáveis pelas informações pessoais referentes ao impetrante e, além disso, responde na via administrativa ao pedido de acesso aos documentos).

Fonte:http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=86263&acs.tamanho=100&acs.img_tam=1.1

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Fim da linha para o entulho legal

Passados mais de 40 anos, a administração pública tem a chance de assumir pela primeira vez que pode e deve ser eficiente. Criticado por oferecer serviços de baixa qualidade, de ser lento demais e de usar das parcerias com o setor privado para permitir desvios, o Estado brasileiro é alvo de uma profunda revisão institucional. Se aplicadas na íntegra, as novas regras mudarão por completo a forma como o cidadão, as empresas e o servidor interagem com a máquina.

A pedido do governo, uma comissão de notáveis passou a limpo o arcabouço jurídico que rege a engrenagem oficial desde os tempos do regime militar. A proposta de nova Lei Orgânica enterra o Decreto-Lei 200/67. Entidades públicas, autarquias, agentes privados e organizações sociais assumem novos papéis, tendo de respeitar metas e regras de governança. O que foi considerado “ultrapassado” pelos especialistas acabou no lixo.

O Correio teve acesso ao anteprojeto preparado por juristas que representam as mais diferentes escolas do direito. Um dos pontos mais importantes fortalece a identidade de empresas e fundações estatais de direito privado — cujo projeto de lei de criação está no Congresso Nacional. Conforme o anteprojeto, elas são liberadas a adotar padrões de licitação simplificados. Seguindo regulamentos próprios, essas entidades continuam submetidas a regras para contratar e concorrer, mas não precisam assumir ou se espelhar na Lei 8.666 — considerada “cega” por advogados e analistas de mercado.

O sistema é semelhante ao adotado pelas agências reguladoras: nem tão frouxo nem tão rígido. “É um modelo menos amarrado, mas mais controlado, por exemplo, do que o que praticam a Petrobras e a Eletrobrás”, diz Carlos Ari Sundfeld, especialista em direito público e um dos integrantes da comissão de análise da nova Lei Orgânica da Administração Pública. Caso seja instituída, a ferramenta servirá para dar maior agilidade a entidades não dependentes do Tesouro Nacional ou àquelas que optarem por celebrar contratos de autonomia.

Gambiarras
Embora o documento não represente o pensamento oficial do Palácio do Planalto, é o ponto de partida para as discussões que serão travadas a partir de agora com a sociedade. “A intenção é permitir que o Estado esteja mais atualizado dentro de um conceito de governança democrática, aproveitando o que for possível e rejeitando o que for autoritário”, resume Marcelo Viana, secretário de gestão do Ministério do Planejamento. Sem o peso do entulho legal, a proposta abre horizontes quase inesgotáveis para uma atuação bem mais pró-ativa da burocracia.

Como está, o anteprojeto agrada tanto ao ministro Paulo Bernardo (Planejamento) como à pré-candidata à presidência Dilma Rousseff (Casa Civil). Tidos como gestores desenvolvimentistas, Bernardo e Dilma defendem a revisão legal. Ambos rechaçam o termo “choque de gestão” — referência identificada com a ideologia tucana. Em um eventual governo petista a partir de 2011, a nova Lei Orgânica poderá dar sustentação a uma agressiva reforma administrativa da máquina estatal.

Outra preocupação do grupo foi permitir que os agentes públicos e privados ocupem de forma clara suas posições dentro do complexo sistema público. Em resposta a gambiarras e vácuos jurídicos, os especialistas enquadraram as entidades que compõem o terceiro setor (ONGs, organizações sociais, fundações de apoio) — consideradas pilares imprescindíveis. Olhando para os erros do passado, a comissão indica a necessidade urgente de dar mais transparência aos contratos de colaboração firmados entre entes públicos e privados. Maria Coeli Simões Pires, membro da comissão e mestre em direito administrativo, elogia: “Ao longo dos anos, houve grandes avanços sem que esses avanços fossem incorporados de uma forma mais sistemática na dinâmica brasileira”

Controle
A nova lei veda qualquer possibilidade de administrações paralelas, mal que aflige especialmente as universidades públicas no Brasil. A tentativa de consolidar a passagem de um modelo burocrático para um mais gerencial fica explícita. Em um capítulo dedicado exclusivamente ao controle, os juristas fizeram questão de incluir no texto que os órgãos da administração pública continuarão sendo vigiados pela Constituição, mas suas atividades deixam de ser alvo de fiscalizações “meramente formais ou cujo custo seja superior ao risco”.

Sob esse aspecto, o anteprojeto representa um avanço sem precedentes, uma vez que condena sobreposições de competências e prega a simplificação dos procedimentos. No artigo 51, a proposta determina que “o controle deve ser compatível com a natureza do órgão ou entidade controlados”, o que, na opinião de estudiosos, exigirá do Tribunal de Contas da União (TCU) um tipo de postura menos restritiva. “Não deixamos de mexer em nenhum vespeiro. A proposta olha para a administração nos próximos 20 anos”, diz Floriano de Azevedo Marques Neto, outro integrante da comissão. De acordo com ele, há muitos controladores e a atuação de tantos agentes acaba por sugar a energia vital da administração. “O anteprojeto não partiu de nenhuma visão ideológica. Buscou atualizar os institutos frente aos muitos desafios contemporâneos”, justifica.

O autocontrole e o controle social (aquele realizado pela sociedade civil) são outros dois pontos amplamente abordados na proposta de anteprojeto. A nova lei se esforça para regularizar a presença de ambos no emaranhado de leis. As entidades paraestatais (corporações profissionais e serviços sociais autônomos, como o Sistema “S”) também são analisadas em profundidade. Para Sergio de Adréa Ferreira, um dos sete integrantes da comissão de juristas, ao olhar a administração pública de cima para baixo distinguiu-se bem a hierarquia. “Sem afrouxamento, acabamos com a cogestão feita pelos órgãos de controle”, completa.



E EU COM ISSO

Editada pelo ex-presidente Castello Branco, a lei que trata da organização da administração federal surgiu como pilar de uma burocracia robusta e intervencionista. Direta e indiretamente é por causa dela que o contribuinte paga muitos impostos e não vê retorno na forma de bons serviços. A norma elaborada pelos generais ficou obsoleta. Ao longo das últimas quatro décadas, o poder público faliu em áreas essenciais, sendo obrigado a repassar para ONGs e organizações privadas uma série de responsabilidades. A proposta de reforma da lei orgânica tenta adequar o país às necessidades da população e das empresas. Aplicá-la, no entanto, depende de vontade política e coragem administrativa. (LP)

Eletrobrás considera decisão do STJ como vitória na Justiça

Em decisão apertada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou ontem as Centrais Elétricas Brasileiras S/A (Eletrobrás) ao pagamento da correção monetária de empréstimos compulsórios recolhidos de consumidores de energia elétrica entre os anos de 1987 e 1993. Por cinco votos a quatro, o julgamento não foi considerado uma derrota, no entendimento de um dos advogados do escritório que defende a estatal. "Os consumidores pediam a prescrição de 16 anos e os ministros derrubaram isso em mais da metade do período, para apenas seis anos. Assim, não tem grande derrotado nem grande vencedor. Para a Eletrobrás esse não foi um resultado ruim", afirmou à reportagem o tributarista Igor Mauler Santiago, sócio do escritório Sacha Calmon - Misabel Derzi Consultores e Advogados.

Em plenário, a maior parte dos ministros da Primeira Seção entendeu que não houve a prescrição do pedido de correção monetária, uma vez que a última assembleia que homologou o pagamento da dívida ocorreu em junho de 2005, há menos de cinco anos, que é o prazo legal para o reconhecimento do débito.

A decisão, que reconhece a dívida da Eletrobrás, foi enquadrada no rito de Lei de Recursos Repetitivos (nº 11.672 /2008). Assim, o entendimento servirá como referência para os tribunais do País em processos que tratem de questões semelhantes tão logo seja publicado o julgado de ontem.

Com isso, não se sabe com exatidão o tamanho da derrota da Eletrobrás. O rombo dependerá das ações impetradas a partir da decisão proferida ontem. Nem o advogado da estatal soube precisar os valores da condenação, mas arriscou um palpite: "Acredito que essa decisão faz cair mais de 60% do que a estatal esperava desembolsar", disse Santiago, com base na estimativa da Eletrobras de que o custo poderia alcançar R$ 3 bilhões. A empresa, cujo presidente é o empresário José Antonio Muniz Lopes, havia reservado pouco mais de 1,3 bilhões para esse ano apenas com essa ação.

Com esse julgamento, as empresas ainda podem pedir os créditos referentes à correção de empréstimos compulsórios da Eletrobrás a partir da data da última assembléia geral ordinária que os converteu em ações, ocorrida em 30 de junho de 2005.

De acordo com a assessoria de imprensa do STJ, quem consumiu igual ou acima de 2 mil quilowatts por mês tem até a mesma data de 2010 para ingressar com a ação. "Na verdade, as empresas que ajuizaram as ações continuam com direito à devolução dos créditos decorrentes da terceira conversação (recolhimento feito de 1987 a 1993). Aquelas que ainda não ajuizaram ação podem pleitear os créditos até 2010", explicou a advogada Alessandra Ourique, do escritório Rubens Naves, Santos Jr. e Hesketh Associados.

Do julgamento

A definição ocorreu no julgamento de recursos interpostos por duas empresas do Rio Grande do Sul, pela Eletrobrás e pela União. Iniciado há dez meses e interrompido por um pedido de vista do ministro Benedito Gonçalves, o julgamento foi retomado nesta quarta com placar de dois votos a zero favorável aos contribuintes.

Benedito Gonçalves se posicionou favorável aos argumentos da estatal. Para ele, o pedido da empresa Máquinas Condor fica prejudicado, uma vez que, como os pagamentos começaram a ser efetuados pela Eletrobrás em 1994, o prazo de prescrição de cinco anos já se passou há mais de dez anos. O ministro entendeu que a prescrição se efetuou ao final de cinco anos, ou seja, em 2 de janeiro de 2009.

Seu voto foi acompanhado pelos ministros Francisco Falcão, Herman Benjamin, e Mauro Campbell. Ao final do julgamento, porém, prevaleceu o posicionamento da relatora. Seguiram o voto de Eliana Calmon, além de Teori Zavascki, Castro Meira, Denise Arruda e Herman Benjamin.

Ainda não há data para quando a decisão será publicada, mas há possibilidade de recurso para ambas as partes, tanto ao próprio STJ quanto no Supremo Tribunal Federal (STF).

A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Eletrobrás e, até o fechamento desta edição, a estatal disse que não havia sido informada sobre a decisão no STJ. "A diretoria da Eletrobrás deve se reunir para decidir a estratégia a ser tomada. Essa reunião deve acontecer a partir de hoje", afirmou a assessoria da estatal.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Ação protege sociedade em diversos casos de irregularidades

Apesar de poder ser instrumento de abusos, quando bem direcionada, a ação popular serve para combater diversos tipos de irregularidades. Nos processos tratados pelo STJ, há casos mais típicos, como contra falhas em licitações (REsp 146756/SP, sobre o Memorial da América Latina), contratações de servidores (REsp 575551/SP) e terceirizados (CC 30756) e uso de recursos públicos para fins particulares (REsp 37275/SP, pagamento de viagem de esposa de prefeito em viagem oficial), mas também mais improváveis, como a anulação de aprovação de contas de prefeitura pela Câmara (REsp 213659/GO), o impedimento de veiculação de notícias com tom de propaganda política em sítio oficial (SL 50/SC), a invalidação de lei que permitia a antecipação do pagamento de impostos municipais do exercício seguinte para o corrente (REsp 537342/SP) e a publicação de mensagem de parabenização a governadora por empresa energética (REsp 879999/MA). Há ainda casos inusitados, como o contra a extinção de delegacia do Banco Central em Belém (CC 31172) ou a venda, sem licitação, de aviões da Marinha ao Kwait – no entender do autor, a transação só poderia ser feita, com licitação, pela Aeronáutica (RO 9).

Antes da nova Constituição, a ação popular destinava-se exclusivamente para combater danos patrimoniais. E essa ainda é uma de suas principais motivações. Nesses casos, são muitas as ações que atacam aumentos irregulares de vereadores e prefeitos, obrigando-os a ressarcir os valores (como no REsp 442540, no qual suplentes de vereadores paulistanos questionavam, após a confirmação da procedência da ação pelo STF, não terem sido citados no processo original). Em um caso, a ação reconheceu que o prefeito, o vice-prefeito e os vereadores de Elói Mendes (MG) teriam sido beneficiados com aumento salarial indevido por substituição, via manipulação xerográfica, da expressão “excluídos” por “incluídos” em decretos e resoluções de 1995 (REsp 247285). Em outro, vereadores de Londrina (PR) foram obrigados a devolver valores relativos à remuneração extraordinária proporcional ao comparecimento a sessões de 1996 (REsp 316160).

Mas a Constituinte ampliou o alcance do instrumento. Hoje o STJ reconhece que basta a lesão à moralidade administrativa, por exemplo, para que seja julgada procedente a ação. Conforme o ministro Luiz Fux, a Constituição de 1988 evidencia a importância da cidadania no controle da Administração ao criar “um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a ação popular, a ação civil pública e o mandado de segurança coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas”, como os valores imateriais de seu artigo 37 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência). No entanto, o STJ não dispensa a comprovação da lesão desses valores (EREsp 260821).

Esse novo enfoque permitiu ao STJ validar julgamento que anulou lei municipal no caso em que alterou a destinação de loteamento de residencial para misto. “Em tese, o interesse local é exteriorizado pela vontade política, porquanto a lei local reflete o anseio da comunidade mediante a boca e a pena dos legisladores eleitos pelos munícipes. Entretanto, no caso dos autos, verifica-se pelo histórico legislativo do Município de Bady Bassitt que o interesse da comunidade local sempre foi o de proibir a construção de hotéis, motéis, lanchonetes dançantes e similares às margens da rodovia”, afirmou o ministro Luiz Fux em seu julgamento (REsp 474475). O juiz da causa havia declarado ser “evidente que a transformação do loteamento residencial para de uso misto foi unicamente para atender interesses de algumas pessoas, inclusive de vereador do Município, que ali pretendiam construir motéis” e “padece de vícios, uma vez que foi promulgada para atender determinadas pessoas, deixando de estabelecer regras gerais, abstratas e impessoais”. A lei fora revogada seis meses após a promulgação e depois da expedição de alvarás de construção relativos ao local.

Assessores informais

O raciocínio também foi aplicado para tratar da contratação de assessores “informais” por vereadores de Goiânia. Nove servidores “formais” e outros 24 trabalhadores atuavam nos gabinetes em regime de “repartição de remuneração”. Após condenação na primeira instância, o TJ local entendeu inicialmente que não haveria lesão patrimonial contra o município e que todos teriam trabalhado pela população, o que levaria à improcedência da ação. O próprio TJ reverteu sua posição, e o novo entendimento foi confirmado pelo STJ (REsp 713537). O Tribunal entende que, para afastar a imoralidade do ato, é preciso ser incontroverso o efetivo benefício à sociedade resultante das práticas irregulares, o que não teria sido comprovado no caso.

É possível questionar por ação popular até mesmo alguns tipos de atos judiciais e do MP. E a autoridade – membro do MP ou Judiciário, inclusive – pode ser acionada individualmente (REsp 703118). Ao julgar ação popular que pretendia anular acordos extrajudiciais firmados pelo MP e homologados pela Justiça em ação civil pública, o STJ também afirmou ser cabível o pedido. O MP sustentava que o eventual provimento da ação popular implicaria violação da coisa julgada constituída na ação civil pública. Mas o STJ firmou o entendimento de que a sentença de homologação não produz coisa julgada material, por não julgar o conflito de interesses que deu origem à ação (REsp 450431).

O instrumento também já serviu para casos de repercussão. O projeto Sivam (REsp 719548 e RE/597717 no STF), a contratação do Instituto Candango de Solidariedade (REsp 952899 e RE/601772, no STF), a fusão que criou a Ambev (CC 29077), a privatização da Vale (CC 19686), o caso Paulipetro (EREsp 14868 e RE/479887 no STF), o acordo Petrobras/Repsol YPF (REsp 532570), o uso de imprensa oficial de São Paulo em campanha política (REsp 1012720) e a contratação de empresa para o estande brasileiro na Feira de Hannover (CC 31306) foram todos objetos de ações populares julgadas, mesmo que sobre matérias incidentais, pelo STJ.

Outros temas peculiares reforçam a abrangência desse instrumento de cidadania, como contrariar a pretensão do prefeito rondoniano Carlinhos Camurça de marcar sua gestão com o lema “Construindo a Capital” (REsp 427140), ou a contratação para publicação de atos municipais de jornal do qual o prefeito era o diretor (REsp 579541).

Foi neste último caso que o ministro José Delgado considerou a moralidade administrativa não só um dever do agente público, mas um direito do cidadão: “Não satisfaz às aspirações da Nação a atuação do Estado de modo compatível só com a mera ordem legal. Exige-se muito mais.” Afirma o ministro, em seu voto, que “o cumprimento da moralidade, além de se constituir um dever do administrador, apresenta-se como um direito subjetivo de cada administrado”.

Segue o relator, em trecho que resume o espírito da ampliação do alcance da ação popular: “O princípio da moralidade administrativa não deve acolher posicionamentos doutrinários que limitem a sua extensão. Assim, imoral é o ato administrativo que não respeita o conjunto de solenidades indispensáveis para a sua exteriorização; quando foge da oportunidade ou da conveniência de natureza pública; quando abusa no seu proceder e fere direitos subjetivos públicos ou privados; quando a ação é maliciosa, imprudente, mesmo que somente no futuro uma dessas feições se torne visível. A razão de tão larga expressividade do princípio da moralidade no texto da Carta Magna é reflexo do constrangimento vivido pela sociedade brasileira em ser testemunha de desmandos administrativos praticados no trato da coisa pública, sem que se apresentasse, no ordenamento jurídico, qualquer perspectiva de controle eficaz e de determinação de responsabilidade.”

E completa: “O bem administrar se constitui numa atuação conjuntural que produza, eficazmente, condições para que o fim a que se destina o Estado seja atingido. Por isso, torna-se claro que bem comum e moralidade administrativa são ideais que jamais podem ser objetivados de modo total em um simples regramento de direito positivo. Eles se caracterizam e se tornam visivelmente presentes através das ações concretas do agente público quando se apresentam totalmente desprovidas de qualquer desvio ou abuso de poder. A violação do princípio da moralidade administrativa implica tornar inválido e censurável o ato praticado com apoio na norma, mesmo que não exista qualquer dispositivo normativo expresso dizendo a respeito.”

Ação popular: STJ prestigia instrumento de controle social de agentes públicos

Colegas, segue um texto que considero de extrema importência para o nosso conhecimento. É necessário que conheçamos os instrumentos disponíveis capazes de nos auxiliar à busca da efetivação de nossos direitos. Segue o texto abaixo:

A ação popular é uma das mais antigas formas de participação dos cidadãos nos negócios públicos, na defesa da sociedade e de seus valores. Atualmente, conta com previsão constitucional (CF/88, artigo 5º, LXXIII) e é regulada pela Lei n. 4.717, de 1965. A ação materializa direito político fundamental, caracterizado como instrumento de garantia da oportunidade de qualquer cidadão fiscalizar atos praticados pelos governantes, de modo a poder impugnar qualquer medida tomada que cause danos à sociedade como um todo. Em seus julgamentos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) prestigia esse relevante instrumento de exercício da cidadania. Conheça alguns aspectos dessa ação, ainda pouco presente no cotidiano da Corte.

Entre seus quase três milhões de processos, são apenas cerca de 500 os relacionados à ação popular em tramitação no STJ, muitas vezes tratando apenas de questões incidentais, como prescrição, legitimidade ou competência. É o caso, por exemplo, do Conflito de Competência 47950, do qual se extraiu uma das frases de abertura deste texto. Na ação original, de 1992, o autor pretendia anular suposto ato ilegal do Senado Federal que teria efetivado servidores sem concurso público. Coube ao STJ decidir se a ação poderia ser proposta no domicílio do autor – no Rio de Janeiro – ou se deveria ser julgada em Brasília, onde se teria consumado o ato danoso.

Mesmo essas decisões incidentais podem se mostrar de grande relevância. Para a ministra Denise Arruda, relatora do conflito citado, “o direito constitucional à propositura da ação popular, como exercício da cidadania, não pode sofrer restrições, ou seja, devem ser proporcionadas as condições necessárias ao exercício desse direito, não se podendo admitir a criação de entraves que venham a inibir a atuação do cidadão na proteção de interesses que dizem respeito a toda a coletividade”. Por isso, não seria razoável determinar como competente o foro de Brasília, o que dificultaria a atuação do autor em caso de diligências.

A proteção ao cidadão autor da ação popular é um dos destaques dos posicionamentos do STJ. Em recurso julgado em 2004 (REsp 72065), o Tribunal entendeu ser incabível a reconvenção – ação incidental do réu contra o autor, motivada pela ação original e apresentada no mesmo processo e ao mesmo juiz – em ação popular. O caso tratava de conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) que demandavam danos morais em razão de ação popular tida por eles como temerária, por apontar ilegalidades inexistentes com base apenas em notas jornalísticas.

Na ocasião, o ministro Castro Meira afirmou em seu voto: “Não se pode desconhecer que a formação autoritária que nos foi legada levou a nossa gente a alhear-se dos negócios públicos, a abster-se de qualquer participação, até mesmo nas reuniões de seu interesse direto, como as assembléias de condomínios e associações. Dentro dessa ótica, não se deve permitir que incidentes outros, como o pedido reconvencional, venha a representar um desestímulo à participação do autor popular.”

Outra garantia de cidadania em ação popular está na inexistência de adiantamento de custas, honorários periciais e outras despesas pelo autor, nem sua condenação, exceto em caso de comprovada má-fé, em honorários advocatícios, custas e despesas processuais (REsp 858498). O cidadão – é exigida a apresentação de título de eleitor ou equivalente para comprovar a legitimidade do autor (REsp 538240) – também pode usar outro instrumento constitucional, o mandado de segurança, para obter informações e documentos que sirvam à eventual proposição futura de ação popular.

Acesso a informações públicas

Para o STJ, há legitimidade e interesse do cidadão que requer documentos públicos com o objetivo de defender o patrimônio público contra atos ilegais. O exame desses documentos pode ser considerado necessário para articular a ação popular de forma segura e objetiva e não temerária, sem objetividade. O precedente (RMS 13516) tratou de garantia de acesso a fotocópias das folhas de pagamentos e portarias de nomeação de servidores comissionados lotados em gabinetes de deputados estaduais de Rondônia.

O ministro Peçanha Martins citou parecer do Ministério Público (MP) estadual para afirmar que o princípio constitucional da publicidade não deveria ser usado contra a população, sob o argumento de que os atos da Administração estariam publicados na imprensa oficial, “pois este tipo de informação se restringe a poucas pessoas, quando não apenas ao interessado no ato publicado”.

O STJ também entende, desde 1991, que a autoridade requerida não pode fazer as vezes de juiz, avaliando a legitimidade ou interesse do requerente em obter os documentos solicitados. No Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 686, relatado pelo ministro Américo Luz, determinou-se que o presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) fornecesse relação nominal de comissionados e contratados a qualquer título pelo órgão nos três anos anteriores, com indicação de pais e avós, situação à época e remunerações; inteiro teor de todos os contratos para construção de fórum; valores pagos pela obra, com empenhos e relatórios de cada etapa; valor pago à empresa Dumez S/A por reajuste do contrato de construção, com data do pagamento, responsável pela autorização e apontamento dos setores administrativos que opinaram a favor ou contra o reajuste.

“O pedido, apesar de extenso, não tem caráter meramente emulativo contra membros daquele colegiado. É certo, porém, tratar-se de uma devassa na administração do tribunal, com base não apenas no ‘ouviu falar’, pois os documentos acostados à inicial e os itens arrolados no pedido, que parecem atassalhar a imagem do Poder Judiciário, demandam que a verdade emerja altaneira, sob pena de a dúvida obnubilar o ideal de justiça”, afirmou o ministro.

A ação popular não pode ser negada nem mesmo se o autor deixar de juntar na petição inicial documentos essenciais ao esclarecimento dos fatos. A lei prevê que, se solicitados e negados pelo órgão detentor da informação, o autor pode, já em seu pedido, fazer referência aos documentos requeridos. E o juiz pode solicitar à entidade não só essas informações mencionadas como outras que considere, de ofício, necessárias para apreciar a causa. O entendimento foi expresso pelo Tribunal no voto do ministro Francisco Falcão ao julgar ação popular contra o município de São Paulo, o então prefeito Paulo Maluf e seu secretário de Finanças, Celso Pitta, que teriam lançado como gastos com educação despesas referentes, entre outras atividades, à guarda metropolitana (REsp 439180).

Na decisão o relator afirmou que a ação popular, em tese, “defende o patrimônio público, o erário, a moralidade administrativa e o meio ambiente, onde o autor está representando a sociedade como um todo, no intuito de salvaguardar o interesse público”. Por isso, completa, “está o juiz autorizado a requisitar provas às entidades públicas, mesmo que de ofício”.

Defesa da sociedade

Essa prerrogativa do autor da ação popular é respaldada pela jurisprudência do STJ. Tanto que o reexame necessário – a remessa obrigatória à instância superior de decisão contrária ao Poder Público – ocorre nesse tipo de processo em caso de improcedência ou carência da ação. O Tribunal entende que o dispositivo incide mesmo em decisão de improcedência apenas parcial da ação, “pois, em verdade, os objetivos desta ação, diferenciando-a de outras, assoalham que não serve à defesa ou proteção de interesse próprio, mas, isto sim, ao patrimônio público. Tanto que está alçada no seio de previsão constitucional (artigo 5º, LXXIII, CF). Por isso, denota-se pressuroso cuidado quanto ao duplo grau de jurisdição como condição à determinação do processo e eficácia do julgado” (REsp 189328, relator ministro Milton Luiz Pereira).

Por esse mesmo motivo, o Tribunal também reconhece a possibilidade de liminar em ação popular, com ou sem audiência prévia do Poder Público. No RMS 5621, o ministro Humberto Gomes de Barros já afirmava que a vedação de liminar contra o Poder Público – à época contida na Lei n. 8.437/90 – não se aplicava a ações populares, porque nesses processos o autor não litiga contra o Estado, mas como seu substituto processual.

O preceito também se apresenta na possibilidade de o ente público atacado na ação popular poder optar por “mudar de lado”, passando a atuar junto ao autor e contra o particular que eventualmente tenha lesado a Administração – mesmo que seja agente público. O entendimento foi aplicado em ação contra obras no complexo viário do Cebolinha/túnel Ayrton Senna, em São Paulo, quando o município pleiteou o ingresso no polo ativo da ação após ter requerido contagem de prazo dobrado para contestar a inicial (REsp 973905).

O STJ admite até mesmo que o ente figure de forma simultânea como autor e réu da mesma ação popular. Conforme decisão do ministro Luiz Fux (REsp 791042), a singularidade das ações popular e civil pública em relação à legitimação para agir “além de conjurar as soluções ortodoxas, implicam a decomposição dos pedidos formulados, por isso que o poder público pode assumir a postura [ativa] em relação a um dos pedidos cumulados e manter-se no pólo passivo em relação aos demais”. No caso, exigia-se que a União fiscalizasse devidamente os prestadores de serviço do Sistema Único de Saúde (SUS) em Londrina e que o município e o estado paranaenses ressarcissem o erário federal em razão da cobrança indevida de procedimentos mais onerosos em lugar das consultas médicas simples efetivamente realizadas.

Essa substituição do Estado pelo autor popular surge em outro dispositivo legal. Nos casos de abandono ou desistência do autor original, o juiz tem a obrigação de, antes de julgar extinto o processo, fazer publicar por 30 dias edital para que qualquer cidadão ou o MP manifestem, em até 90 dias, interesse em dar seguimento à causa. Conforme explica o ministro Castro Meira (REsp 554532), “esse aparente privilégio decorre da especial natureza da ação popular, meio processual de dignidade constitucional, instrumento de participação da cidadania, posto à disposição de todos para a defesa do interesse coletivo.”

A intimação do MP para essas situações deve ser, inclusive, pessoal (REsp 638011). E o procedimento – edital e citação – deve ocorrer mesmo quando o MP, como fiscal da lei, tenha manifestado parecer pela extinção do processo (REsp 771859), já que essa atuação não se confunde com a de defesa da ordem jurídica. No precedente, após o parecer pela extinção e o julgamento do juiz nesse sentido, mas sem seguir os procedimentos legais para oportunizar o seguimento da ação, o próprio MP recorreu. O estado do Rio de Janeiro alegava inexistência de prejuízo na medida adotada pelo juiz, o que não foi acatado pelo STJ.

Não se pode confundir, no entanto, o direito da sociedade, da coletividade com o de particulares, mesmo que um grupo deles. É o que explica o ministro Luiz Fux (REsp 801080), citando Hely Lopes Meirelles: “A ação popular ‘é instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros, por isso que, através da mesma não se amparam direitos individuais próprios, mas antes interesses da comunidade. O beneficiário direto e imediato desta ação não é o autor; é o povo, titular do direito subjetivo ao governo honesto. O cidadão a promove em nome da coletividade, no uso de uma prerrogativa cívica que a Constituição da República lhe outorga’.”

Em diversos casos, o instrumento é utilizado por políticos, o que é legítimo. Um exemplo é a ação do petista José Eduardo Cardoso contra Paulo Maluf e TV Globo por contratação sem licitação para transmissão da Maratona de São Paulo (EREsp 426933, REsp 143686 e RE/574636 pendente no STF). A propositura de ação popular em alguns casos pode ser protegida como desdobramento do exercício do mandato, como consiste, no caso de parlamentares, a fiscalização dos atos do Executivo (HC 67587).

Mas não se deve confundir a legitimidade para propor a ação com a capacidade de atuar em juízo (postulatória), mesmo que em causa própria. O STJ tratou do assunto ao julgar a ação do deputado estadual Alceu Collares contra o Rio Grande do Sul (REsp 292985). Como deputado, ele não poderia advogar contra o Poder Público, mas poderia figurar como autor da ação, que questionava o uso de servidores e recursos públicos em atos relacionados ao orçamento participativo.

Outro cuidado é quanto ao uso abusivo da ação popular. Não é inédito o reconhecimento de má-fé do autor. É o que ocorreu em julgamento relacionado à montagem de arquibancadas no Autódromo Nelson Piquet para a Fórmula Indy (REsp 648952). O STJ não pode analisar a questão de mérito por envolver análise de fatos, mantendo multa contra o autor de 20% do valor da causa, por ausência de provas e litigância de má-fé por embasar-se somente em matérias de jornais. A irregularidade estaria, segundo o autor, em que os serviços teriam sido executados pela empresa vencedora da licitação antes mesmo de concluído o processo de concorrência.

Fonte: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=93098

STJ garante nomeação de aprovados em concurso público dentro do número de vagas

Mais uma vez colegas, o STJ vem com a consideração de que a aprovação dentro no número de vagas dá o direito à nomeação ao cargo. Observem o texto abaixo:
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) avançou na questão relativa à nomeação e posse de candidato aprovado em concurso público. Por unanimidade, a Quinta Turma garantiu o direito líquido e certo do candidato aprovado dentro do número de vagas previstas em edital, mesmo que o prazo de vigência do certame tenha expirado e não tenha ocorrido contratação precária ou temporária de terceiros durante o período de sua vigência.

O concurso em questão foi promovido pela Secretaria de Saúde do Amazonas e ofereceu 112 vagas para o cargo de cirurgião dentista. O certame foi realizado em 2005 e sua validade prorrogada até junho de 2009, período em que foram nomeados apenas 59 dos 112 aprovados.

Antes do vencimento do prazo de validade do concurso, um grupo de 10 candidatos aprovados e não nomeados acionou a Justiça para garantir o direito à posse nos cargos. O pedido foi rejeitado pelo Tribunal de Justiça do Amazonas com o argumento de que a aprovação em concurso público gera apenas expectativa de direito à nomeação, competindo à administração pública, dentro do seu poder discricionário, nomear os candidatos aprovados de acordo com sua conveniência e oportunidade, ainda que dentro do número de vagas previsto em edital.

O grupo recorreu ao Superior Tribunal de Justiça. Acompanhando o voto do relator, ministro Jorge Mussi, a Turma acolheu o mandado de segurança para reformar o acórdão recorrido e determinar a imediata nomeação dos impetrantes nos cargos para os quais foram aprovados.

Ao acompanhar o relator, o presidente da Turma, ministro Napoleão Nunes Maia, ressaltou que o Judiciário está dando um passo adiante no sentido de evitar a prática administrativa de deixar o concurso caducar sem o preenchimento das vagas que o próprio estado ofereceu em edital. Segundo o ministro, ao promover um concurso público, a administração está obrigada a nomear os aprovados dentro do número de vagas, quer contrate ou não servidores temporários durante a vigência do certame.

Em precedente relatado pelo ministro Napoleão Nunes Maia, a Turma já havia decidido que, a partir da veiculação expressa da necessidade de prover determinado número de cargos através da publicação de edital de concurso, a nomeação e posse de candidato aprovado dentro das vagas ofertadas transmuda-se de mera expectativa a direito subjetivo, sendo ilegal o ato omissivo da administração que não assegura a nomeação de candidato aprovado e classificado até o limite de vagas previstas no edital, por se tratar de ato vinculado.

Falando em nome do Ministério Público Federal, o subprocurador-geral da República Brasilino Pereira dos Santos destacou que, antes de lançar edital para a contratação de pessoal mediante concurso público, a administração está constitucionalmente obrigada a prover os recursos necessários para fazer frente a tal despesa, não podendo alegar falta de recursos financeiros para a nomeação e posse dos candidatos aprovados.